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O que pensa do ambiente cultural, social ou político da nossa terra?

Não gostaria de ser “O Velho do Restelo”, até porque agora temos uma “Casa da Cultura”, mas e talvez por isso mesmo gostaria de fazer uma introdução à minha resposta, para não ser mal interpretado. Comecemos pela vida académica: Quando o Solar Rapo-Taxo foi legalizado e passou a ser “Real República do Rapo-Taxo”, fui nomeado o primeiro Rapo-Mor. Não era o mais antigo mas talvez a causa fosse a tradição de representar a República nos “centenários” (aniversários) das outras e fazer um discurso de felicitação.
E quando tínhamos hóspedes importantes, como pintores nacionais e estrangeiros, alguns pernoitavam alguns dias, até fazerem uma exposição, pois com o dinheiro havia uma festa. Mas além de artistas tínhamos escritores nacionais e estrangeiros e outras figuras ilustres, como o Embaixador de Inglaterra em Lisboa, professores e o próprio Reitor de Coimbra. Havia sempre um discurso do Mor. O embaixador ficou tão satisfeito com a receção que, numa viagem a Moçambique, quando foi entrevistado pelos jornalistas, lembrou encomiasticamente o jantar e a serenata na Real República do Rapo-Taxo. Não se esqueceu de referir que também cantou e tocou canções da sua faculdade. Entretanto fiz duas cadeiras de Direito: História do Direito Romano, História do Direito Português e por sugestão dum colega que se tinha matriculado ao mesmo tempo que eu, matriculei-me em Letras no Curso de Ciências Históricas; dizia-me ele, e tinha razão: - em Direito estudamos e nunca sabemos se passamos, em Letras estudamos e passamos (nem sempre…).
Entretanto fui chamado para o cumprimento do serviço militar e pela minha boa classificação no Curso de Oficiais Milicianos, fui colocado no Regimento de Infantaria nº 12 em frente da entrada da Penitenciária de Coimbra, depois Regimento de Saúde e hoje não sei se foi desativado, a dois passos da minha República.

No serviço militar devido às minhas qualidades físicas, além de atirador especial, hoje acertaria em tudo menos na “mouche”, acabei treinador de voleibol das equipas de oficiais e sargentos. Nas competições militares ficávamos sempre em segundo lugar, pois o comandante do Regimento de Artilharia Antiaérea fixa que era um entusiasta dos desportos e recrutava todos os “craques” nacionais e o resultado era evidente. Também joguei na equipa da Associação Académica de Coimbra onde fui tudo: jogador, treinador das equipas masculinas e femininas e finalmente Presidente da dita secção.

Ganhávamos aos Bombeiros e outros clubes locais mas as aulas impediam o treinamento conveniente e lá se ia o campeonato. Na equipa de oficiais do RI12 fui treinador de outro Alferes do quadro, um dos Capitães de Abril, o Brigadeiro ou General Hugo dos Santos, já falecido. Fomos convocados para a equipa do exército, no primeiro campeonato que houve das Forças Armadas que, escusado será dizer, ganhámos. Para a equipa foi convocado também um cabo que fazia parte da equipa do RI12.
Podia ter mandado um cartão de Boas Festas ao camarada (militar) e amigo Hugo dos Santos, mas a minha timidez inibe-me deste tipo de atos, que podem ser mal interpretados.
E, no entanto, a casa de meu pai, na praia, esteve em “stand by”, para o General Comandante duma região militar, no verão quente, no caso de dar para o torto, mas que felizmente não foi necessário.

Futebol: também tinha jeito e, em Santarém estive federado a jogar pelo Operário na segunda divisão distrital, mas o tempo não era compatível para estudar e jogar.
Quando fui para Coimbra, nunca me passou pela cabeça ir treinar na Académica. Era suficiente o voleibol e o râguebi (rugby em inglês) que foi introduzido na altura por colegas que vieram de Lisboa. Ainda joguei alguns jogos, na posição de ¾, que são os que fogem com a bola (oval), para tentar pontos.
Entretanto passei “à peluda”, quer dizer, deixei o serviço militar. Tinha feito o 2º ano e fiz o 3º ano de História, pela primeira vez, todas as disciplinas, sem interrupção. Foi sol de pouca dura.

Estava-me a esquecer dum pormenor relativamente ao futebol. Havia um campeonato inter faculdades e a Faculdade de Letras tinha poucos homens com jeito. Acontecia que jogavam nas Letras colegas doutras faculdades. Foi assim que travei amizade com um jovem de Direito que gostava de jogar, mas não tinha lugar no team da sua faculdade e veio jogar nas Letras: seu nome, Mota Pinto, que mais tarde foi 1º Ministro e faleceu precocemente.

Entretanto eclodiu a guerra no Ultramar. Oficiais do quadro foram todos mobilizados e os milicianos foram substituir os seus lugares nos quartéis. Mais uma vez fui chamado, desta vez para Tomar (RI15). Apesar de muito trabalho, fui colocado na Companhia de Comando e Serviços, com todos os soldados e cabos que estavam no quartel- general e julgavam que eram generais, para entrarem mais tarde e saírem mais cedo. Pacientemente, reuni a Companhia e expliquei-lhes que também tinha sido mobilizado, mas que ordens são ordens. Portanto, se tinham que chegar tarde e pretendiam ou necessitavam de sair mais cedo, traziam uma justificação do oficial do quartel-general para eu autorizar. Não tive mais problemas, mas tive de mandar fazer um carimbo com a minha assinatura, porque não era capaz de assinar todas as licenças.

Depois pedi para ser colocado no Distrito de Recrutamento 7, de Leiria. Precisava de terminar o curso e ter um ordenado pois queria casar. Como o chefe do Distrito era o coronel mais antigo do Distrito, as atividades desportivas, a nível distrital, eram da nossa responsabilidade, pelo que me coube organizar vários campeonatos de voleibol e andebol das Forças Armadas no Comando Militar de Leiria.

Finalmente, terminei o serviço militar e fui bater à porta de eventuais patrões: 1º A Escola Industrial, mas tanto a História como a Ginástica estavam ocupadas; outros amigos diziam que não tinham possibilidade de pagar um ordenado compatível com os meus conhecimentos. Finalmente bati à porta da fábrica Aníbal H. Abrantes que me aceitou inicialmente para andar com os clientes, levá-los, trazê-los e fui colocado no departamento técnico, onde o Sr. Henrique Neto era o responsável. Foi com ele que aprendi os primórdios da Indústria de Moldes e terminei o curso. Dei explicações e aulas no Colégio aos cursos noturnos: 3º, 4º e 5º anos de História. Certamente que não foi por mérito do professor, mas as melhores classificações nos exames foram em História!

Poucas semanas após o início do trabalho, apareceu-me uma proposta com melhor ordenado. Agradeci mas expliquei que não podia aceitar pois não podia morder a mão de quem me dera trabalho. Ao longo da minha vida profissional fui convidado para trabalhar nos USA, o que sempre recusei. Curiosamente houve clientes que me pediam se me não importava que dessem o meu nome, pois estavam desempregados, como garantia dos seus conhecimentos profissionais e empresas pedindo-me para lhes indicar um profissional que os representasse em Portugal.

Julgo ter cumprido com lealdade e competência as funções que me foram conferidas, prestigiando a empresa e a indústria.

Devido ao número de operários na empresa Abrantes, houve necessidade de se criar uma Secção de Pessoal, e fui nomeado para o efeito. Orgulho-me de nunca ir ao tribunal por qualquer despedimento menos correto.

Particularmente quando visitava clientes nos Estados do interior americano, era habitual ser convidado para o “country club” para almoçar ou jantar e apresentado como o Doutor que tinha vindo de Portugal, era a “avis rara” que vinha da Europa.

Várias vezes dei comigo a almoçar no restaurante da empresa visitada, com o Estado Maior, e algum Presidente ou Diretor referia que Portugal tinha sido um país de navegadores. Era pretexto para dar uma lição das descobertas das correntes marítimas e eólicas, ainda hoje seguidas, e a navegação para sul do Equador, diferente da do Norte.
Dava-me prazer, mas tinha a noção que o respeito e consideração que era transmitido, era para a empresa e para o País.

A minha coroa de glória, vou-a contar, e perdoem-me a imodéstia. Em 1981 a Indústria de Moldes homenageou o Sr. Abrantes com uma exposição sobre a indústria, convidando todos os fabricantes de moldes e moldadores de plástico, os primeiros clientes, na maioria de Leiria e do Norte. Foram convidados todos os Embaixadores dos países para onde exportámos. Foi um sucesso e vai dar origem, mais tarde, ao 1º Congresso. Como a maior parte das pessoas da indústria, também tomei parte e orientei a sessão final dos discursos. Alguns meses depois recebemos da Embaixada Inglesa um convite para o “Dr. Vítor Hugo Beltrão” integrar uma missão ao Reino Unido para visitar as fábricas de máquinas ferramentas. Ainda telefonei, não tivesse havido um mal-entendido, mas foram peremptórios que o convite era personalizado, era mesmo para mim.
Lá fui para o Reino Unido com os “Generais” das mais importantes empresas metalúrgicas de Lisboa, Porto, Torres Vedras e Marinha Grande. Eram todos Presidentes e Diretores dessas empresas, pessoas muito importantes, menos o Zézinho, que era eu.

Após chegarmos, saímos pela porta dos VIP – éramos convidados da Embaixada e ainda era preciso o passaporte – fomos apresentados ao secretário da Associação dos Metalúrgicos e entrámos para uma carrinha Volkswagen e lá fomos diretamente para a primeira fábrica; no final da visita o secretário convidou um dos portugueses a falar sobre o que vira, em breves palavras. Voltámos para a nossa viatura onde estavam caixas com o nosso almoço: frango assado com batatas fritas. Trabalho é trabalho. Visitámos mais duas empresas com mesmo cerimonial: convite a “botar” faladura. À cautela ia ficando para trás “distraído” a ver uma máquina. Rumámos finalmente ao Hotel para jantar e dormir. No dia seguinte às oito horas estávamos na viatura e rumámos a mais fábricas. O almoço foi de novo o frango com batatas…

Não dissemos nada, mas a nossa reação não passou despercebida e quando foi perguntado se havia algum problema, tudo foi esclarecido. Na preparação da nossa visita, os almoços foram sempre na carrinha e da Embaixada teriam dito que os portugueses gostavam de frango grelhado… explicámos então que tinha sido bem informado, mas não para comer todos os dias. Nos dias seguintes a ementa foi diferente e no último dia em Londres, fomos visitar a Câmara dos Comuns, onde fomos atendidos pelo Deputado representante da Indústria e nos mostrou os interiores e a história da Câmara. Estivemos no anfiteatro onde são discutidas as propostas do governo e o orador durante o seu discurso coloca as mãos numa caixa retangular. É uma tradição centenária pois alguém um dia teria atirado qualquer objeto ao Presidente. Escusado será dizer que todos pusemos as mãos na caixa. Seguiu-se então o jantar e só me lembro de que a sopa era de ervilhas, pois quando comecei a comer, aparece-me o Secretário da Embaixada Inglesa, que tinha organizado a nossa visita, e me informou com a maior da descontração: “Você (eu) é que vai agradecer ao deputado!” Olhei para ele e ainda disse: “Está a brincar? Eu nem sei o nome do Senhor”. “Não é preciso, basta agradecer!”

Não me perguntem o que foi o jantar ou o que disse. Sei que estive naquele intervalo a preparar um discurso breve e que o representante da Embaixada, me veio felicitar. “Está a ver, eu bem sabia que não tinha dificuldades”. Foi este o motivo porque nunca fui convidado durante as visitas, a agradecer. Pensei para comigo, que a partir de agora, nunca mais me vou atrapalhar.

Várias vezes em representação da Associação Portuguesa de Radiodifusão, perguntava sempre se havia discursos. A resposta é que não havia, mas muitas das vezes fui convidado para a mesa e o primeiro a usar da palavra.

Esta introdução que mais parece um romance, vai ser encerrada, para responder diretamente à sua pergunta.

Funções que desempenhei:
- Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa da Radiodifusão; Presidente da Direção do Rádio Clube Marinhense durante 13 anos e depois da Assembleia-Geral; Presidente da 1ª Associação de Pais do Ciclo Preparatório e autor do regulamento; 1º Secretário da Cefamol – Centro de Fabricantes de Moldes e Vice-Presidente e Presidente da Direção; Autor de vários artigos técnicos e históricos para jornais e revistas nacionais e estrangeiras; Editor de vários livros de autores marinhenses prefaciados e apresentados; Orientei várias teses de mestrado; Fiz parte do júri do Exame Final de Licenciatura do Curso de Comunicação Social, no Pólo Universitário de Leiria, da Universidade Católica…
Vamos colocar um ponto final nesta longa mas breve biografia, de introdução à resposta sobre o ambiente cultural da nossa terra.

O concelho da Marinha Grande é “sui generis” e por isso mesmo tentar compreendê-lo e motivá-lo, é indispensável.

Temos finalmente uma Casa da Cultura e uma Resinagem, com sala(s) que permitem conferências. Sugerimos os seus aproveitamentos:
- Um ciclo de cinema, com técnicos explicando o significado do filme, do realizador e atores; Conferências sobre a História da Marinha Grande: a História do Vidro, a História da Indústria de Moldes, a História do Pinhal; A importância da fundação da Escola Industrial e do Colégio Afonso Lopes Vieira, no desenvolvimento cultural; A importância dos lugares e suas histórias no desenvolvimento social e fixação das populações; A história dos teatros das coletividades; O desporto, não só do futebol, mas voleibol, andebol, patinagem, basquetebol, natação, atletismo, luta, hipismo…; Conferência sobre os “Livros da minha vida”; Divulgação dos escritores marinhenses; Congresso das Coletividades; Visitas acompanhadas aos museus da nossa terra; História das personalidades que deram o nome às nossas ruas; Os conjuntos musicais; A importância e sua história das associações de solidariedade marinhense; As tertúlias de índole cultural e sua importância; Papel dos Rotários.

Para qualquer dos temas há marinhenses suficientemente competentes para os apresentar. A “prata” da casa é sempre mais barata mas, certamente, que mesmo personalidades de fora, não serão muito exigentes. Naturalmente que ciclos de teatro e cinema terão que ter preços compatíveis para não afastarem os interessados.
Agora, a explicação sobre o introito: Não me peçam para liderar este projeto, estou velho e cansado (risos) mas tenho a obrigação, se assim entenderem, de colaborar nas iniciativas.