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Como marinhense, recorda-se onde passou a sua meninice e como era a sua família nuclear?

Naturalmente que na Marinha e no verão em S. Pedro de Moel e em Setembro íamos para Almeirim para casa da irmã da minha mãe, para assistir à vindima e quando nos deixavam íamos pisar as uvas, cuja propriedade era do pai do meu tio casado com a irmã da minha avó. O meu pai também dava consultas em Almeirim e era muito conhecido. Eram umas semanas diferentes e muito agradáveis, pois tínhamos alguns amigos da nossa idade.

Voltemos à Marinha e a S. Pedro de Moel, que nada tinha a ver com a atual. Alugava-se uma casa para o mês de Julho e Agosto e tínhamos de levar tudo: roupas para as camas, e por vezes a própria louça, o petromax para a iluminação – só mais tarde é que foi instalada a eletricidade, nuns geradores que eram fechados à meia-noite. Já voltarei a falar destes geradores.

Lembro-me que uma vez fomos na galera do nosso vizinho – morávamos no edifício da atual ASURPI – de frente ao Sr. António Rodrigues dos Santos (Picotilho) para levar os precisos para a casa alugada.

Neste tempo havia casas na atual rua que desce do Hotel de S. Pedro e que eram alugadas pelos naturais. A rua perpendicular à casa de madeira do Dr. Bettencourt só foi construída mais tarde, e vai dar origem ao Bairro dos Lisboetas. O transporte oficial estava a cargo da camionagem do Sr. João Vilela. Durante a Grande Guerra, a falta de gasolina levou à utilização do gasogénio e diariamente havia várias camionetas, não deixando nenhum passageiro sem embarcar: sentados ou em pé, onde houvesse espaço livre, ia um passageiro. Foram tempos fantásticos.

A casa do meu pai era a casa da família: todos os primos de Leiria e Almeirim vinham passar as férias connosco pois o meu pai era o “chefe do clã”. Quando saíamos, sete ou mais matulões, diziam: Lá vêm os Beltrões. O meu pai tinha uma rede de voleibol e a respetiva bola e, no Verão, montava-se o campo com dois postes. Foi assim que aprendi a jogar e foi assim que surgiu a tradição do Volei em S. Pedro.

Como passávamos os dias? De manhã íamos para a praia. Dávamos passeios à beira-mar, às vezes íamos até a Água de Madeiros, depois tomava-se banho, depois de jogar voleibol ou futebol e apanhava-se sol para bronzear; depois de tarde íamos dar um passeio ao farol – ficava muito longe e comia-se do farnel que normalmente as jovens levavam; outras vezes íamos fazer a volta dos sete, mas sempre com o “arame farpado” a controlar.

O “arame farpado” era sempre a mãe duma das meninas ou uma tia. À noite às vezes íamos para o Casino, onde hoje está o café da praia, depois de ter sido destruído, onde se organizavam bailes e eram projetados filmes que um indivíduo trazia. Era uma vida muito calma… e os bailes tinham que terminar à meia-noite. Embora começassem mais cedo do que atualmente, à meia-noite ainda estava toda a gente a bailar. Só havia uma solução que era convencer o funcionário da “central” a prolongar a luz até às duas horas. Não sei o que faziam, mas dois ou três jovens iam falar e conseguiam a prolongar a festa; não sei se lhe davam dinheiro ou uma garrafa de água (tinta) ou uma bucha para aguentar até às duas. 

Eram outros tempos; só um exemplo: os homens não podiam andar na praia em tronco nu, tinham de vestir uma camisola e as senhoras o fato de banho era uma peça inteira. Outros tempos…


Conte-nos como foram a sua infância e juventude.

Pouco mais poderei acrescentar ao que acabei de dizer. O dia a dia da minha geração era calmo: jogava à bola – de borracha ou de trapos – nos recreios da escola, ou do colégio e no adro da Igreja; chegámos a jogar em Leiria ou na Marinha Grande contra grupos do liceu e em S. Pedro era habitual o jogo contra a rapaziada de Lisboa. Eu tinha algum jeito e jogava a médio.

Não posso esquecer um outro exercício dominical: “O Santo Sacrifício da saída da Missa” das nossas amigas, aproveitando um passeio até ao jardim: futuras namoradas e futuras esposas.

No Carnaval mascarávamo-nos e visitávamos as casas de alguns amigos – era o “assalto” – onde comíamos e dançávamos ao som dos discos particulares. Escusado será dizer que não havia televisão, e utilizávamos gira-discos. Estamos a falar dos finais dos anos 50 e 60. Outro divertimento era, aos Domingos, ir ao campo da Portela, assistir aos jogos do Marinhense e à noite havia cinema às quintas-feiras e aos Domingos, que não podia assistir sempre, pelos custos e pelos estudos.
No Carnaval também organizávamos bailes num sótão por cima da Padaria Mira, que limpávamos e decorávamos e onde não faltava o “arame farpado” duma mãe ou tia para controlar as festas.

Entretanto também julgo importante lembrar as peças de teatro organizadas pelo Colégio, de peças de autores clássicos, como Gil Vicente ou modernos com “sabor” aos autos. Houve até espetáculos organizados pela rapaziada, com críticas aos professores. Escusado será dizer, modéstia à parte, que fiz sempre parte das peças e das rábulas.
Para encerrar a pergunta, também dávamos voltas pelo jardim ou íamos para casa de algum amigo, jogar às cartas e por volta da meia-noite havia sempre um a lançar o desafio: “Vamos ao Ferreirinha (café Cristal) comer um bife, muito famoso”. Eu tinha sempre a desculpa de que se fazia tarde e tinha de regressar a penates. Escusado será dizer que o problema era a falta de dinheiro.