A prisão de José Sócrates levantou todas as paixões de que um país é capaz, a favor e contra o anterior primeiro-ministro, em que não faltou o circo da comunicação social. Compreende-se que assim seja e daí não vem mal ao mundo, mas o que já não se compreende é a tentativa de atacar a justiça para supostamente defender José Sócrates, a sua governação e o seu modelo político, baseado nas relações de amizade, na defesa de interesses particulares e na mentira, amplamente tolerada pelos partidos do chamado arco do poder. Os mesmos que no passado justificavam a corrupção com a badalada ineficácia da justiça, reclamam agora dos excessos da sua actuação.

É bom que se diga que o coro de críticas à justiça chegou, principalmente, de alguns socialistas e de companheiros de percurso, que escondem mal o seu fanatismo partidário e a sua amizade agradecida ao ex-primeiro-ministro pelos serviços prestados, não a Portugal mas às suas carreiras. De facto, têm razão ao verem em José Sócrates o chefe providencial que serviu bem os seus interesses, individuais e de grupo, durante os anos em que governou Portugal. Muitos deles esperam agora que o pesadelo passe, para voltarem ao poder e repetir o que para eles foi a boa governação de José Sócrates.

Durante o Congresso do fim de semana, o pensamento dos congressistas, não expresso por palavras, estava focado no ex-primeiro-ministro, a tentar prever os estragos que os próximos tempos trarão ao PS e a pensar nas eleições legislativas do próximo ano. Apesar disso, não passou pela cabeça de ninguém denunciar a governação que conduziu Portugal ao empobrecimento e ao descalabro político, financeiro, económico e social, sendo que o próprio António Costa elogiou algumas das políticas mais conseguidas dos anteriores governos do PS, mas fazendo tábua rasa dos erros e do enorme desperdício de dinheiros públicos, em grande parte gastos a favor de grupos económicos e de amigos.

Sendo assim, a esmagadora maioria dos socialistas presentes no Congresso não quis prever a hipótese de José Sócrates vir a ser condenado pelos crimes de que foi acusado, esquecendo-se de, pelo menos, defender o partido dos estilhaços de uma mais que provável condenação. Pelo contrário, a nova direcção, dita de renovação, é constituída por apoiantes e governantes de José Sócrates, não conhecendo nenhum de entre eles que se tenha oposto, ou apenas criticado, as políticas que conduziram Portugal ao endividamento e à dependência externa.

Claro que todos sabemos que os portugueses são tolerantes, mesmo perante a corrupção, mas neste caso, em que todos estamos a sofrer os efeitos do desvario governativo do anterior primeiro-ministro, acredito que apenas a confissão dos dirigentes do PS, de que compreendem e lamentam toda a dimensão dos erros cometidos, poderá permitir a reconciliação dos portugueses com o Partido Socialista. Nomeadamente, porque José Sócrates não sairá tão cedo dos ecrãs das televisões e das primeiras páginas dos jornais.

Claro que se a actual direcção do PS tivesse uma estratégia conhecida, clara, transparente e realista, para tirar Portugal da crise, poderia acontecer que os eleitores se decidissem a votar no Partido Socialista. Assim, com o Secretário-Geral do PS a não ter ideias claras sobre os principais problemas com que Portugal se confronta e a atirar para a União Europeia as soluções que são principalmente da nossa responsabilidade, poderá até fazer o PS ganhar as próximas eleições, tal é a desesperança dos portugueses com o Governo de Passos Coelho, mas não se aguentará no poder para além dos dois primeiros anos.