Em Março de 2011 escrevi um texto publicado neste jornal, em que apelava aos militantes socialistas para não votarem no então Secretário Geral do PS e Primeiro Ministro, nas eleições internas que se realizariam a seguir. Naturalmente que escrevi o texto sem grande esperança, porque conheço bem o clubismo existente nos partidos políticos portugueses e a atracção que o poder exerce sobre a generalidade dos portugueses. Mas fi-lo por dever cívico, por saber, como dito no texto, que a continuação de José Sócrates à frente da governação do País conduziria ao desastre, que o Governo do PS não terminaria a legislatura e que isso abriria as portas do poder ao PSD.

Tudo o que então escrevi se concretizou. Também previa, ainda que não o tenha escrito, que mais tarde ou mais cedo José Sócrates seria apanhado pela justiça, numa das suas muitas aventuras de uma relação complicada com os interesses e com o dinheiro. Não era difícil a previsão, dados os sucessivos casos chegados ao conhecimento público e onde José Sócrates se vira envolvido, nomeadamente porque nunca comprei a ideia, muito divulgada, de que tudo seriam cabalas dos opositores e dos inimigos do Primeiro Ministro, grupo de inimigos em que eu próprio fui, não poucas vezes, também incluído.

Acresce, que sempre tive a consciência de que José Sócrates ia passando por entre os pingos da chuva das investigações da justiça por duas razões: uma primeira, resultante de uma certa cultura nacional de respeito pelo poder, não poucas vezes do interesse em participar do poder alheio; e uma segunda razão, resultante de José Sócrates ter utilizado todos os recursos do cargo para convencer o Presidente da República a aceitar um Procurador Geral favorável, o que acabou por acontecer na figura do amigo Pinto Monteiro.

Desta mesma realidade cultural portuguesa, resulta que a justiça actua principalmente quando os actores principais perdem o poder; foi assim com um ex-presidente do Benfica e, mais recentemente, com Ricardo Salgado do BES, entre muitos outros.

Descrevo estes acontecimentos com o objectivo de tentar demonstrar que os militantes socialistas em geral têm algumas culpas nos acontecimentos políticos dos últimos anos, nomeadamente pelos sofrimentos provocados pela austeridade, na medida em que andaram excessivamente distraídos relativamente ao carácter dos candidatos em que depositaram o seu voto, porque em última análise é o carácter dos dirigentes políticos que pode fazer a diferença e, ao longo dos anos, era por demais evidente que José Sócrates era uma bomba de relógio da democracia portuguesa, pronta a rebentar a qualquer momento. Só não viu isso quem não quis, ou pensava ter interesse em não ver.

Mesmo agora, a romaria em curso de visitas à prisão de Évora, sob a justificação da longa amizade pelo preso 44, é, em si mesma, um caso de estudo, porque das duas uma: ou são mesmo amigos de José Sócrates e teriam a obrigação de o conhecer bem, sendo por isso também responsáveis pelo que se está a passar, ou não o conhecem e, mais tarde ou mais cedo, vão considerar-se surpreendidos e, assim sendo, são responsáveis pela mentira de uma amizade que afinal é apenas superficial ou mesmo inexistente.

Pode haver ainda uma terceira razão para o estudo destas visitas, aliás deixada cair por António Costa que, quando perguntado se ia a Évora, disse: “Hei de ir. Com certeza que irei visitá-lo nas férias de Natal. Só me ficaria mal se não fosse”. Ou seja, alguns visitantes irão a Évora porque pareceria mal não o fazer, podendo com isso, nas suas incompreensíveis cabeças, prejudicar as suas carreiras políticas.