Em entrevista ao programa “Especial COVID-19” da Rádio Clube Marinhense, o professor e dirigente associativo Carlos Carvalho contou a sua experiência enquanto doente de COVID-19 que teve necessidade de estar internado e em coma induzido, bem como os receios quando regressar à sala de aula

 

Agora livre da doença e a recuperar em casa, junto da família, Carlos Carvalho regressa, aos poucos, às obrigações do dia a dia, conjugando o trabalho de professor – agora à distância e através da Internet, com as responsabilidades de presidir a uma instituição como a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários da Marinha Grande.

E foi a partir de casa que relatou, via telefone, à RCM como se apercebeu de que poderia estar contagiado com a COVID-19. E foi precisamente a febre, persistente, que chegou perto dos 39.ºC, que fez disparar os alarmes. Através da linha Saúde 24, que contactou por duas vezes, viria a ser ativado o INEM e foram os Bombeiros da Marinha Grande que o transportaram até ao Hospital de Leiria, a 25 de março. Já foi lá que manifestou os primeiros sinais de falta de ar e necessitou de uma máscara de oxigénio.

Acabaria por lhe ser diagnosticada uma pneumonia, mas Carlos tinha para si que seria “uma constipação das grandes”. Afinal tinha estado uns dias antes mais de uma hora na fila da farmácia, ao sol e ao vento, e só se lembrava de ter ido, no fim de semana, ao shopping a Leiria, fazer compras e jantar…

Acabaria por ficar internado, em coma induzido durante 8 dias para poder beneficiar da ‘ajuda’ de um ventilador para respirar. “Foi tudo muito rápido desde o momento que me disseram que ia ser entubado e tenho memória zero desses dias. Não sonhei, mas também não vi a luzinha ao fundo…”.

O docente realça que na enfermaria COVID-19 “estava tudo disponível e não havia filas de espera”, elogiando a equipa de “profissionais excecionais” com que se deparou e que tomavam todos os cuidados de proteção, para si próprios e perante todos os doentes.

Carlos Carvalho, que estava no grupo de risco por ser diabético, ter excesso de peso e estar medicado para a tensão arterial, destaca as “boas condições” que encontrou na enfermaria do Hospital de Santo André, onde, na altura em que esteve internado com mais outros sete doentes COVID-19, os equipamentos existentes eram suficientes para dar resposta a todos. Ainda assim, recorda que houve uma senhora que estava ao seu lado que faleceu, e havia outros doentes a queixar-se, nomeadamente de falta de ar.

“Tenho um autocolante COVID-19 colado na testa”

À RCM, Carlos Carvalho diz nunca ter colocado a hipótese de não voltar para casa, ainda assim admite que à medida que se foi apercebendo da situação, lhe passaram “algumas parvoíces pela cabeça”.

Em simultâneo, em casa, e onde estavam os dois filhos do casal, a esposa lutava também contra a doença, com todos os outros sintomas, como tosse, perda do olfato e do paladar e dores por todo o corpo. Só não teve febre.

Quando acordou do coma induzido, Carlos Carvalho, sem acesso ao seu telemóvel, foi recebendo informações por parte dos profissionais de saúde de que estava tudo bem com a sua família. Não teve outra opção se não acreditar “que estavam a dizer a verdade”.

Aqui, aproveita para agradecer toda a rede de apoio de que a família beneficiou nas últimas semanas, nomeadamente dos Bombeiros da Marinha Grande e de alguns familiares e amigos, que garantiram as refeições e os medicamentos necessários à esposa Isabel e aos filhos de ambos.

De regresso a casa e, paulatinamente, às atividades diárias, Carlos Carvalho confessa que ainda se cansa a subir escadas, por exemplo, e lamenta o distanciamento que ainda tem de manter dos filhos, por precaução, sem beijos nem abraços. Com dois testes negativos, tal como a esposa, Carlos não sabe se ficou imune à doença.

Agora envolvido com o ritmo das aulas, através da Internet e das plataformas digitais, sendo professor questiona como será a reação dos pais e dos alunos quando regressar à sala de aula. “O estigma social vai durar meses”, considera, acrescentando que “tenho um autocolante COVID-19 colado na testa”.

O professor prevê que socialmente os próximos meses vão ser “muito complicados” com o retomar da atividade económica e com as pessoas a voltarem à rua, e receia que se possam começar a ‘aligeirar’ alguns cuidados no que se refere ao contacto social. Para Carlos Carvalho é importante, nesta fase, que as pessoas “continuem a aguentar” as restrições impostas para que a doença não se propague.