A presidente da Junta de Freguesia da Marinha Grande dá o seu testemunho ao nosso jornal sobre a forma como tem encarado os desafios causados pela pandemia, fala sobre o que mudou no dia a dia da Junta e dá conta do projeto em curso que visa a elaboração de máscaras a doar à população e que conta com o contributo das coletividades locais

O que mudou na sua vida devido à pandemia do novo coronavírus?

Mudou tudo, na minha vida pessoal deixei de poder abraçar a família, filhos, noras e netos, que foi o mais difícil, uma vez que estava habituada a estar com eles à vontade, quase diariamente, nomeadamente os netos, e tem sido muito difícil. Em casa passei a ficar só com o marido, e tal como as outras famílias passei a vê-los apenas através das novas tecnologias, e isso de todo não é a mesma coisa. O não poder viver socialmente, com coisas tão simples, como ir beber um café, marcaram-me drasticamente.

Na Junta também não foi fácil, tem sido uma adaptação constante, uma aprendizagem contínua, uma realidade nunca antes imaginada. Estamos a reaprender a viver.

Foi necessário encerrar ao público as instalações da Junta de Freguesia da Marinha Grande, mas esta não deixou de apoiar os seus fregueses. De que forma foi dado esse apoio e que balanço faz da(s) resposta(s) dadas pela Junta em várias vertentes?

Na realidade, o primeiro grande impacto foi o encerramento dos serviços, foram cumpridas as regras mas fiquei muito apreensiva. Como seria daí para a frente!? Fiquei três dias em casa, refleti muito, estava preocupada, angustiada, tudo era novo, nunca tinha pensado viver uma situação destas, então concluí que não podia ficar impávida e serena à espera, sentia-me mal com isso, apesar das pessoas me dizerem: “Atenção, cuida-te já tens mais de 65 anos, és uma pessoa de risco!”. Tudo era verdade, mas apesar disso eu não podia ficar em casa, sou uma cidadã com responsabilidades acrescidas.

E vamos a isso, no quarto dia fui à Junta e constatei o que seria de esperar, os telefones tocavam ininterruptamente! Então foram tomadas decisões urgentes. A partir da segunda feira 23 de março as funcionárias administrativas começaram a trabalhar na Junta alternadamente, uma de cada vez, principalmente para o atendimento telefónico, e eu passei a ir para a Junta diariamente. Apoiámos a população das mais diversas formas, com palavras de conforto, de informação, encaminhamento para as instituições que estavam a dar apoio, como as Associações sociais, como as linhas de emergência criadas no nosso concelho, como pedir receitas médicas ao Centro de Saúde através do nosso email, entre muitas outras coisas.

As técnicas do GAP ficaram em teletrabalho, na área da psicologia foram feitas e atendidas centenas de chamadas, nomeadamente para os trabalhadores da Junta para saber se estavam bem emocionalmente, para os seus utentes e ainda para aqueles que estavam em lista de espera, e fizeram-se consultas por videoconferência. Na área social a nossa técnica esteve diariamente em articulação comigo, para ajudar a resolver e a minimizar alguns problemas em parceria com a nossa rede social. Ainda hoje o trabalho delas continua a ser efetuado da mesma forma, e talvez assim continue até ao final deste mês.

Trabalhámos ainda em parceria com a UCC – Unidade de Cuidados na Comunidade do Centro de Saúde, demos o apoio possível das mais diversas formas. Os funcionários estavam em regime de prontidão e foram algumas vezes chamados individualmente para serviços espontâneos que surgiam, tivemos também uma funcionária do exterior que às segundas e sextas ia fazer limpeza às papeleiras nos parques de merendas, fontanários e papeleiras de S. Pedro de Moel, e que também fez a manutenção do cemitério do Pilado, enquanto aquele se manteve fechado.

Durante este período houve necessidade de alterar o funcionamento do atendimento ao público, foram criadas as condições necessárias de segurança, e passámos a atender por agendamento telefónico, um cidadão de cada vez, de dez em dez minutos. Aí tivemos também o apoio especial de um outro trabalhador dos serviços do exterior, que se manteve durante três semanas a dar apoio às colegas da secretaria, na porta a controlar as entradas e a assegurar o cumprimento das regras legais.

As equipas da Junta que andam no terreno também tiveram de parar, deixando para trás a limpeza e preservação de algumas ruas. Os funcionários já voltaram ao serviço? Que medidas estão a ser tomadas nesta área, tendo em conta os parcos recursos da Junta?

Na realidade os nossos funcionários do exterior já regressaram ao trabalho no passado dia 11 de maio. Na sexta feira anterior reunimos com eles e fizemos duas equipas de cinco. Agora vão para o local de trabalho em duas viaturas de nove lugares, foram informados das distâncias sociais que têm que cumprir, quer na rua quer dentro da viatura, e fornecemos-lhes equipamentos de segurança. Na quarta feira, dia 13, receberam formação com uma enfermeira do Centro de Saúde, e diariamente vou junto das equipas analisar e aconselhar os comportamentos corretos.

Aqui, aproveito para apelar à população Marinhense a máxima compreensão, nestes dois meses de paragem dos serviços as ervas daninhas cresceram muito e não vai ser possível regularizar a situação tão rápido como desejado. Daremos o nosso melhor na tentativa de minimizar esta situação.

E como tem sido a adesão da população a esta nova forma de trabalhar, com idas à Junta por marcação, com divisórias no atendimento e máscaras?

O atendimento que passámos a fazer nas instalações por agendamento telefónico tem corrido bem, no início como já referi com o apoio de um funcionário à porta para controlar a entrada de uma pessoa de cada vez. Com pequenas exceções tem corrido bem, na maioria as pessoas cumprem e entendem, lá aparece um ou outro cidadão sem vontade de cumprir, mas as nossas administrativas têm sido excelentes e incansáveis. É bom dizer que este procedimento alterou todos os procedimentos habituais, uma funcionária a atender, outra a executar o documento solicitado, eu a assinar de imediato, para não promover a saída das pessoas à rua duas vezes para o mesmo assunto, no entanto saliento que isto nos traz uma pressão acrescida para todos, na interrupção constante do trabalho que temos em mãos.

A Junta de Freguesia é conhecida pela estreita ligação que mantém com a população, nomeadamente através das coletividades. Numa altura em que também estas estão a atravessar momentos difíceis, que apoio está ou pode vir a dar a Junta da Marinha?

A Junta de Freguesia da Marinha Grande sempre considerou as coletividades como suas parceiras diretas, conversamos com os dirigentes associativos e sabemos bem as dificuldades que estão a atravessar, com os bares fechados e impedidos de realizar e participar em eventos. Também este grupo tem sido deveras afetado pela pandemia. Para já iremos apoiar com produtos de higiene, limpeza, desinfeção e segurança obrigatórios, principalmente agora que vão retomar a atividade do bar, mais tarde vamos estar atentos ao evoluir da situação, mas como saberão o orçamento da Junta não permitirá grandes colaborações financeiras.

Sabemos que a Junta de Freguesia está a dinamizar um projeto para a confeção de máscaras de proteção para entregar gratuitamente à população. Em que pé está este projeto?

Sim, há cerca de um mês reuni com colegas autarcas de outras freguesias do distrito de Leiria e gostei do projeto que quase todas as freguesias tinham para a confeção de máscaras para oferecer à população.

Assim, neste contexto apresentei o projeto ao executivo da Junta e com a colaboração especial do nosso GAP, avançámos e decidimos que o mesmo fazia sentido envolvendo as Coletividades, os seu dirigentes associativos voluntários e costureiras voluntárias dos diversos lugares da freguesia, enfim, abrangendo a nossa comunidade.

A Junta de Freguesia adquire os materiais necessários, as coletividades envolvidas convidam as costureiras do lugar, existe um responsável da cada coletividade que faz a ligação entre a Junta e as costureiras, para que seja sempre a mesma pessoa a ter contacto com as senhoras em questão. Quanto estiver feita uma quantidade razoável de máscaras, começamos a distribuir nas coletividades de cada lugar, anunciamos o dia e o lugar, as pessoas do mesmo dirigem-se à coletividade que for anunciada, e com o número de contribuinte será feito o registo e simultaneamente o controle de quem já levantou. Já temos inscritas mais de 35 costureiras, mas aceitamos mais. Para o projeto ser concretizado e ter êxito contamos uma vez mais com a força e perseverança dos nossos amigos dirigentes associativos voluntários e ainda do voluntariado das senhoras que saibam costurar.

Estejam atentos que muito em breve daremos notícias na RCM96, nas redes sociais e nas coletividades. Não são necessárias inscrições prévias!

Considera que a nossa vida coletiva poderá alguma vez voltar ao que era antes deste vírus aparecer? Porquê?

Penso que não, estes meses deixaram marcas em todos nós, o medo de contrair o vírus deixou o receio constante de nos aproximarmos de pessoas com as quais não lidamos no dia-a-dia, creio que isto vai ainda demorar algum tempo a passar. E depois a crise económica ou financeira no nosso país e a nível mundial, ainda está para vir. Todos sabemos que os próximos meses não serão fáceis, creio que a esse nível o pior ainda não chegou, temos que estar muito atentos aos problemas dos nossos concidadãos e avaliar como poderá ser o nosso contributo.

Como perspetiva que possam ser os próximos meses?

Não sei muito bem! É necessário a economia retomar, nomeadamente o comércio, a indústria, o turismo, as pequenas e médias empresas, para muitos talvez tenha sido o fim, e é preciso reinventarem-se. Os trabalhadores precários e os trabalhadores em situação de lay off, ainda vão levar algum tempo a conseguirem reerguer-se, e isto vai deixar algumas mossas. São situações que me deixam apreensiva e até angustiada, pois ao longo da minha vida, pessoalmente, já vivi dificuldades em situações semelhantes, sei muito bem como é.

Desejo sinceramente que as coisas não sejam tão graves como se preconiza, que se possa dar a volta e prosseguir em frente.