Estou certo que este Natal de 2014 ficará marcado pela extraordinária entrevista dada pelo Papa Francisco ao jornalista Henrique Cymerman e que passou na televisão portuguesa. Entrevista que, tal como as outras anteriores do Papa, representa uma verdadeira revolução, não apenas na Igreja de Roma, mas também no mundo da política internacional. A sabedoria simples do Papa, transmitida com humor, simplicidade e profundidade, representa uma rotura com a tradição católica, mas também e, porventura mais importante, no governo dos povos.

A diferença do discurso e das intervenções do Papa Francisco relativamente à prática dos dirigentes políticos e dos governantes de todo o mundo é um abismo. Seja pela sua capacidade de comunicação, seja pela verdade e humanidade que coloca no que diz e faz, seja  pela visível compreensão dos problemas com que todos nós nos debatemos em cada dia. O Papa Francisco, em apenas dois anos, tornou-se o líder natural de um mundo que ele pretende seja de mudança.

Aquilo que os líderes europeus fazem por desconhecer, como seja, por exemplo, a ditadura do sistema financeiro global,  a acumulação de riqueza como objectivo primordial de sectores da sociedade, a dispensabilidade social dos velhos e das crianças e a violência, como forma de resolução dos conflitos políticos e religiosos, são temas tratados pelo Papa com severidade, com visão ampla e sem o calculismo dominante na actividade política.

Não sei se a emergência deste Papa no debate interno da igreja, mas também no debate mais amplo da mudança necessária no governo dos povos, resultou de um acidente virtuoso e sem continuidade, ou se, pelo contrário, se trata de um novo caminho da igreja de Roma em direcção à pureza do pensamento filosófico do cristianismo. Mas sei que será, sem dúvida, este o caminho mais certo para a própria igreja, tanto quanto se desejaria fosse um exemplo que frutificasse e  se alargasse ao governo das nações.

A origem e a idade do Papa alguma coisa terão a ver com a qualidade humana do seu discurso e com a sabedoria do seu pensamento. Penso nisso ao verificar a juventude, porventura excessiva, de muitos dos governantes da Europa, bem como constato as suas origens, quase sempre distantes das dificuldades crescentes dos povos europeus.  Acredito, por isso,  que neste tempo cheio de complexidades, a sabedoria que resulta da idade e a humanidade que ressalta  das origens de trabalho e de serviço à comunidade, sejam factores  bem mais importantes na boa governação do que a energia que é própria dos anos de juventude. Acresce, que na idade do Papa Francisco já não existem objectivos de carreira, nem calculismos de ganho pessoal, nem a ilusão das certezas com que somos diariamente confrontadas na actividade política.

Assim, neste final de mais um ano, em que Portugal se viu confrontado com novos problemas  mal resolvidos e com desafios crescentes sem solução à vista, é saudável ouvirmos uma voz, mesmo que vinda de Roma, que nos mostra pela  força das convicções, da verdade e da coragem, que é possível trilhar novos caminhos  nesta velha Europa e neste não menos velho planeta em que habitamos.