A ida a Paris de três secretários de Estado para assistir aos jogos da selecção, a convite e com viagens pagas pela GALP, é naturalmente uma vergonha, mas é também uma indicação muito clara do ponto zero a que chegou a decência na vida política nacional. Sendo que o mais grave não resulta apenas dos governantes terem aceite umas centenas ou milhares de euros que custaram as viagens, porque o pior é os próprios considerarem, bem como o Governo, que não há nisso nenhum problema e que o assunto se resolve com a devolução do dinheiro. Aparentemente, os valores éticos e o efeito pedagógico negativo sobre a sociedade não lhes passou pela cabeça e isso é que é grave. A partir desta incompreensão, o País passou a conhecer a formação e a cultura daqueles dirigentes e passámos todos a saber da sua incapacidade para aprender com os erros, ou seja, de se tornaram melhores com a experiência.

Esta é a questão essencial que, infelizmente, escapa ao debate político que estes casos sempre criam, que é a questão da qualidade pessoal e política dos cidadãos que sucessivos primeiros ministros convidam para dirigir o País. Qualidade que, todos o sabemos, tem vindo a diminuir de forma acelerada desde o 25 de Abril e não apenas no plano ético, mas também no plano da competência técnica e política, que, a meu ver, são planos inseparáveis quando se trata de serviço público. Ou seja, no serviço público as decisões implicam uma noção muito clara do interesse nacional em sentido amplo e as idas a Paris prejudicaram o interesse nacional na medida em que reforçaram o descrédito da actividade política junto dos cidadãos, o quer implica o descrédito da própria democracia.

Aparentemente, os governantes e o próprio Governo não entendem assim, o que acontece há já demasiado tempo entre nós, porque se o compreendessem decidiriam activar o efeito exemplar do código de ética já existente em vez de enganarem os portugueses com a criação de um novo código. Infelizmente, são estes pequenos casos e as incompreensões resultantes que, pouco a pouco, tornaram Portugal numa nação desgovernada, empobrecida e com níveis de corrupção financeira, mas também intelectual e política, sem precedentes.

Casos como o BPN, BPP, BES/GES, BANIF, PT, como muitos outros, nunca teriam acontecido se, no início, Cavaco Silva, António Guterres e todos os seus sucessores tivessem tomado medidas exemplares de verdade e de transparência no serviço público e tivessem escolhido os homens e as mulheres mais capazes de assumirem, por si só, essa responsabilidade. Porque a questão não está apenas na lei, mas na qualidade das pessoas que a utilizam.
Neste, como noutros casos, é lamentável que seja o Partido Socialista que esteja envolvido e que o PS não compreenda o alcance negativo destes casos para a qualidade da democracia portuguesa. Depois do desastre que foi a governação de José Sócrates neste plano, esperar-se-ia que os dirigentes e os deputados do partido tivessem aprendido alguma coisa e demonstrassem maior vontade de corrigir os erros do passado recente, honrando com isso os pergaminhos éticos da esquerda. Que seja o PSD e o CDS a reclamarem do comportamento de governantes do PS, ainda que por razões de mera luta partidária, espelha a confusão e o descrédito de todo o sistema político nacional no plano dos valores e das práticas políticas.

5-08-2016