Os regimes democráticos reforçam-se com a transparência dos actos da administração e da sociedade em geral e empobrecem sempre que o secretismo entra nos hábitos da governação, ou é aceite pela sociedade. É este claramente o caso português, onde a ausência de cultura democrática, a existência de poderosos grupos de interesses organizados e uma certa tradição autoritária, têm permitido manter o secretismo e o autoritarismo onde deveria existir mais transparência e mais democracia.

Por exemplo, o Ministério das Finanças está obrigado por lei a divulgar até 30 de Setembro de cada ano a lista dos contribuintes que recebem benefícios fiscais em sede de IRC, mas, sem que nada aconteça, ainda não o fez relativamente aos dados de 2013. Igualmente, a comissão de peritos que avaliou o sistema fiscal, propôs medidas de reforma do IRS no sentido da tributação dos sinais exteriores de riqueza, propostas que o Governo PSD/CDS deixou cair no Orçamento do Estado para 2015. Finalmente, tudo isto numa semana, a Presidente da Assembleia da República e o Partido Socialista opõem-se a que alguns altos funcionários dos serviços de informação, vulgo espiões, sejam forçados a declarar os seus rendimentos e interesses.

Este último caso é particularmente elucidativo de uma certa cultura de secretismo existente entre nós, porque o que preocupa o PS e, aparentemente, Assunção Esteves, é que os espiões sejam forçados a declarar se pertencem a organizações como a Opus Dei ou a Maçonaria, sabendo-se da importância destas instituições, particularmente da Maçonaria, na defesa de grupos de interesses espúrios que actuam na sociedade portuguesa, com tanto de sucesso como de impunidade.

Não por acaso, o PS assume nesta questão uma posição aparentemente incompreensível, como aliás tem assumido na inviabilização da lei que criminalizaria o enriquecimento ilícito, posição que tem muito a ver com o recente apoio de algumas figuras gradas do partido a António Costa nas eleições primárias. De facto, é no PS que a Maçonaria tem um poder muito relevante e é através da sua tradição de secretismo que os interesses políticos, económicos e financeiros desses grupos têm sido melhor defendidos. Por isso estou certo que seria uma desgraça para alguns socialistas que a sua conta bancária, interna e externa, fosse conhecida, ao mesmo tempo que as causas da recente queda do grupo Espírito Santo e da PT, entre muitos outros escândalos nacionais, passariam a ser melhor conhecidas.

Claro que no PSD e no CDS existem grupos de interesses semelhantes, mas que não têm a mesma tradição e sabedoria dos do PS e daí que casos como os do BPN e do BPP tenham sido descobertos mais rapidamente e, porque não dizê-lo, revelaram maior primarismo e menos sabedoria no aproveitamento do poder político para o benefício económico dos seus membros. De facto, apenas a existência de algumas solidariedades de interesses entre os dois partidos e o conhecimento de histórias mútuas, têm impedido o esclarecimento público e a condenação mais rápida dos alegados criminosos, que, na sua maioria, são da área do PSD/CDS.

Aqui na Marinha Grande não estamos isentos, à escala de uma pequena comunidade, do uso do secretismo para esconder factos administrativos pouco claros. A falta de informação sobre as decisões autárquicas, o condicionamento na distribuição pública da documentação relevante, mesmo para alguns autarcas considerados mais perigosos, são sinais reveladores da cultura do segredo como arma política. Claro que neste processo esquecem que a total transparência é a única forma dos dirigentes políticos poderem dormir descansados e que, pequenos ou grandes desvios da legalidade e da ética, mais tarde ou mais cedo acabam por ser conhecidos.