89,5 milhões de euros é o valor estimado pelo investigador Jorge Custódio para intervir na totalidade da área fabril da antiga Fábrica de Vidros da Marinha Grande. A criação de um Centro de Congressos e Espaço Multiusos, de uma Reserva Municipal de Bens Culturais Móveis, a instalação de Serviços Municipais e de um Centro de Inovação Científica, Tecnológica e Industrial da Marinha Grande foram algumas das sugestões apresentadas

 

A Casa da Cultura Teatro Stephens recebeu na tarde de 11 de março, dia em que a Marinha Grande assinalou o 35.º aniversário da sua elevação a cidade, a apresentação pública do Programa de Valorização do Património Municipal da Fábrica de Vidros da Marinha Grande, elaborado pelo arqueólogo Jorge Custódio, contratado pela Câmara para esse efeito, e realizado ao longo do último ano.

O trabalho compreendeu o estudo histórico e arqueológico-industrial da antiga Fábrica de Vidros; a identificação e registo dos edifícios fabris e sua evolução; o estudo patrimonial do conjunto fabril integrado; a apresentação de um programa de valorização de todo o conjunto; e uma proposta de ocupação funcional para a parte pública e para a unidade fabril mais recente.

Para o investigador, estamos perante aquela que foi a maior manufactura de vidros portuguesa, sem paralelo, com 6 hectares e 500 trabalhadores nos finais do século XVIII, à qual a Marinha Grande está diretamente relacionada, considerando-a “monumento industrial da Marinha Grande”, e referindo-se à antiga Fábrica-Escola Irmãos Stephens como “a matriz, o umbigo, da identidade e da memória da Marinha Grande”, sem esquecer a sua importância na história do vidro em Portugal.

Um arqueossítio “enterrado” e “janelas entaipadas”

Jorge Custódio guiou o público numa “viagem” desde 1947 até aos dias de hoje, abordando as diferentes gestões que a Fábrica de Vidros teve, as alterações verificadas ao nível do seu edificado e o papel dos irmãos Guilherme e Diogo Stephens, bem como o período em que a gestão esteve a cargo de Acácio Calazans Duarte, o encerramento da FEIS em 1992, e a gestão de J. Mortensen, entre 1994 e 2009.

O investigador lembrou, por exemplo, que o Arquivo Municipal foi construído em cima do primeiro arqueossítio da Marinha Grande, que ficou assim “enterrado”, e propôs a valorização da fachada norte da antiga Fábrica de Cristal (séc. XVIII), onde hoje se encontra a EPAMG, onde disse haver “portas e janelas entaipadas”.

Para o professor, é necessário proceder à ampliação da área de proteção do Património Stephens, desde o Palácio até à portaria norte, concluindo tratar-se de um conjunto de interesse público e que, com esta ampliação, se adquire “um monumento histórico”, apontando como um “erro” a primeira classificação do património, em 1994, ter considerado apenas o Palácio.

Deu conta das dificuldades em obter alguns estudos e relatórios de intervenções arqueológicas anteriores, e defendeu que a autarquia deve ter ao serviço um arqueólogo que se ocupe da elaboração da carta do subsolo, da responsabilidade da Câmara.

“Museu do Vidro de Portugal” com trabalho ao vivo

Custódio propôs que o Museu do Vidro assuma a denominação de “Museu do Vidro de Portugal”, que seja alvo de trabalhos de requalificação e que passe a apresentar 4 núcleos. Lembrou que o Palácio tinha a forma original de «u», tendo a parte poente, em ruínas, sido deitada abaixo, apesar de existir na câmara um projeto do arquiteto José Fava para a sua requalificação. Considerou que o palácio ficou “amputado” e que “devem ser encontradas soluções”. Sugeriu que as antigas locomotivas do comboio de lata, atualmente no Parque de Exposições, possam integrar um desses núcleos e passar a estar em exposição, que seja criada uma área para exposições temporárias, e que possam ser devolvidas a algumas salas do palácio as suas funções originais, uma vez que se sabe onde eram os quartos e a sala de jantar, por exemplo.

Considerou que o Museu deve dispor de um local onde se trabalhe o vidro ao vivo, sugerindo a construção de um forno didático à escala real, aproveitando as plantas existentes. Para Custódio, “o Museu deve afirmar-se como a grande âncora do projeto de requalificação do Património Stephens”.

Deu conta da necessidade de perpetuar a memória industrial da fábrica, nomeadamente através da manutenção das fachadas, ocidental e norte, independentemente do que se venha a fazer no interior dos edifícios e pavilhões industriais. “É este conjunto que mantém a singularidade deste património”, defendeu.

Para se avançar com a iniciativa municipal de valorização da paisagem tem de se retirar a circulação de veículos pesados no centro e recuperar toda a fachada nascente, defendeu ainda.

Centro de Inovação Tecnológica pode nascer na antiga FEIS

Sobre o património da antiga FEIS, que o Município adquiriu em 2018, sugeriu a criação de um Centro Cívico e Cultural e de um espaço Multiusos, mantendo as fachadas, a criação de uma nova área destinada a reservas municipais, a criação de uma área comercial, uma área para instalação de serviços da autarquia, um Centro de Inovação Tecnológica, e um espaço destinado à função pedagógica em articulação com as escolas. Jorge Custódio alertou que deverá haver “uma grande discussão pública” a respeito do futuro deste património, apontando que “tem que se avançar. Pior é querer fazer tudo, e nada fazer”. Apresentou uma estimativa global, com valores de dezembro de 2022, de um investimento na ordem dos 89,5 milhões de euros, para intervir em toda a área fabril.

“Pacto de regime” essencial para avançar

Para o investigador, tem de haver “um pacto de regime” entre os eleitos da política local, e “união entre todos”, já que se trata de um processo que irá muito além de uma ou duas legislaturas, que seja criado um grupo de trabalho, nomeadamente uma Comissão Municipal para o Património Cultural, e que seja definida uma estratégia com base no Plano Diretor Geral de Arquitetura, que está por fazer, bem como que o novo Plano Diretor Municipal abarque algumas linhas deste estudo arqueológico. Aludiu a uma intervenção no quarteirão dos Bombeiros Voluntários, que estimou em 15 milhões, e a uma eventual deslocalização da EPAMG. Para intervir nas antigas instalações da ex-Mortensen estimou um investimento de 45 milhões de euros.

Para Jorge Custódio, devem ser envolvidos neste desígnio os poderes central e regional, a câmara deve procurar os meios económicos para realizar os investimentos necessários, e, entre outras considerações, “que se coloque como prioritário o princípio da conservação sobre o da requalificação”.

O programa de valorização apresenta um total de 35 edifícios, vários pátios, 3 jardins, novas áreas ajardinadas, a preservação da cerca norte, a eliminação do muro de separação entre a parte que já é do domínio público e a parte que era privada e constituiu a antiga FEIS, e a circulação pedonal no novo espaço.

Como conclusão, frisou que o Património Stephens “deve ser valorizado passo a passo com o vidro no centro”.

No final, e antes de passar a palavra ao público para um momento de debate sobre a apresentação do investigador, Aurélio Ferreira deu conta que o estudo será levado a reunião de câmara, para discussão com os vereadores eleitos, e também a uma sessão da Assembleia Municipal, para que os deputados se possam pronunciar a este respeito. Na ocasião, Aurélio Ferreira agraciou Jorge Custódio com a “chave da cidade” da Marinha Grande.