Apoiar a indústria local no processo de descarbonização é o principal objetivo do projeto “Green Hydrogen Valley” que a Rega Energy quer implementar na Marinha Grande e que implica um investimento na ordem dos 100 milhões de euros. Está prevista a construção de uma unidade de produção de hidrogénio verde na Zona Industrial de Casal da Lebre, e de um pipeline dedicado para a distribuição direta, aos clientes, de hidrogénio e oxigénio

 

O projeto foi apresentado no final de tarde da última segunda feira, 16 de setembro, no salão nobre dos Paços do Concelho, por Manuel Ferreira, da Rega Energy, que fez saber que o “Green Hydrogen Valley” está a ser desenvolvido há dois anos e meio e que se destina às vidreiras e cimenteiras da região.

Segundo o responsável, 2,5 por cento de todo o gás gasto no país é consumido na Marinha Grande, uma dimensão “que justifica” os investimentos “significativos” que o projeto compreende, designadamente cerca de 100 milhões de euros e a criação de 52 postos de trabalho diretos.

De acordo com Manuel Ferreira, “o que traz ganhos de escala e competitividade é produzir tudo no mesmo local”, razão pela qual está projetado um eletrolisador de alta capacidade a instalar na Zona Industrial de Casal da Lebre, sendo depois o hidrogénio verde e o oxigénio distribuídos em pipeline, como se faz com o gás natural, diretamente aos clientes. Para tal, será construída uma fábrica, com uma área de implantação de 2,9 hectares, que vai usar parte da água proveniente da ETAR existente na Zona Industrial e que seria descarregada na Ribeira do Tecelão, e dar-lhe “uma segunda vida, purificando-a”. Segundo explicou, através de eletrólise, com recurso a energia elétrica de origem renovável, vão ser separadas as moléculas de hidrogénio e oxigénio que compõem a água (H2O), obtendo o hidrogénio verde, que será “mais uma alternativa no processo de descarbonização da indústria”. O equipamento previsto está direcionado a 10% de todo o gás gasto na região, explicou Manuel Ferreira e a forma “mais segura e competitiva” de o entregar aos clientes será através de uma conduta (pipeline) dedicada. A unidade vai funcionar com recurso a eletricidade da rede, adquirida a promotores especializados na exploração de parques solares e eólicos, portanto, de fontes renováveis, e não haverá armazenamento de hidrogénio já que este será distribuído de imediato.

Na sua opinião, a produção de hidrogénio verde na Marinha Grande será “mais um argumento para novas empresas se instalarem cá, numa fase em que a Zona Industrial está em expansão”.

Manuel Ferreira deu conta que processos semelhantes estão em curso noutros países europeus e lembrou que “a descarbonização não é uma opção das empresas”, já que até 2050 o objetivo a nível europeu é a neutralidade carbónica. Considerou que os projetos neste âmbito “devem ser o mais diversificados possível”, sublinhando que “as empresas, quanto mais alternativas tiverem, mais resiliência têm para optar quando estiverem a produzir”.

“Ou a indústria reage ou morre”

São parceiros do projeto as vidreiras BA Glass, Vidrala e Crisal, bem como a cimenteira Secil, que estiveram representadas na sessão e manifestaram as suas opiniões a respeito do projeto.

Para Nuno Vieira, responsável de sustentabilidade da BA Glass, trata-se de um projeto “fundamental” no âmbito do plano de descarbonização da atividade, alinhado com o Tratado de Paris, dando conta da intenção de reduzir, até 2035, 50% das emissões. O responsável explicou que “há várias opções em vista” para atingir aquele desígnio, nomeadamente através da utilização de eletricidade renovável e do uso de uma mistura de gás natural com hidrogénio verde.

Já Ana Carvalho, responsável de ambiente da Vidrala, deu conta da existência de uma “estratégia semelhante”, focada nas energias renováveis. Lembrou o recente investimento na eletrificação do novo forno, mas “há limites”, frisou, razão pela qual são necessárias outras vias “assim que a tecnologia o permita”. Para Ana Carvalho, o projeto do hidrogénio verde vem “ajudar a manter a sustentabilidade das indústrias e dos negócios”.

Nuno Maia, diretor de sustentabilidade da Secil, falou da “grande” pegada energética e carbónica desta indústria, em que dois terços provêm da matéria prima. Referiu que até 2030 há metas “importantes” a cumprir e que a empresa iniciou este caminho há 20 anos, mas há que “acelerar”. “Esta é uma oportunidade importante”, frisou, e que “não podemos fazer sozinhos”. Lembrou que destes processos, por vezes, “resultam danos sociais como ocorreu no Pego e em Sines”, concluindo que criar empregos verdes é também uma forma de promover a coesão das comunidades.

Por fim, Carlos Viegas, diretor industrial da Crisal, referiu o “muito trabalho” feito nos últimos dois anos com a Rega Energy, e que há indústrias em Portugal a passar por dificuldades, pelo que “há que saber aproveitar os recursos renováveis” disponíveis no país. Deu o exemplo de uma empresa ‘gémea’ do grupo localizada em Leerdam, na Holanda, onde não existem os mesmos recursos, vaticinando que, “se não fizerem nada, daqui a uns anos talvez tenham de fechar a porta”. Lembrou que a 6 de outubro de 2006, a Crisal era a primeira empresa do país a ter gás natural e que agora enfrenta uma nova transição, que implica grandes investimentos, mas também tem limitações. Já está a ser construído um forno híbrido, que deverá ficar concluído até ao final do ano, e falta esgotar a capacidade da subestação elétrica que a empresa possui. Até 2030, a meta é reduzir as emissões em 62,5%, mas a impossibilidade nos dias de hoje não é só financeira, é também técnica, fez questão de realçar. Carlos Viegas considerou que a eletrificação e o hidrogénio por si não são suficientes, mas “ou a indústria reage ou morre” e esta “é mais uma ferramenta” que está a chegar à fase de execução.

Trabalhos no terreno arrancam em 2025

A sessão incluiu a apresentação do estudo de impacte ambiental, em que se apontam como impactos negativos perturbações na circulação rodoviária e afetação da população residente durante o período de construção das condutas, e possíveis impactes sob elementos de valor patrimonial, considerados de “magnitude reduzida”. Na fase de exploração, são apontados impactes positivos ao nível do aproveitamento dos recursos hídricos, a criação de emprego, a dinamização da economia e a beneficiação de infraestruturas locais.

Na ocasião, o presidente do Município considerou que se trata de um projeto “de enorme relevância” para o concelho, que “o futuro passa por aqui” e que se trata de uma inovação no contexto do país, já existente noutros países europeus. Aurélio Ferreira referiu que vai haver “estradas rebentadas, isso é claro”, que o projeto “vai criar dificuldades” na fase de construção das condutas, e manifestou a disponibilidade da Câmara para colaborar e que sejam cumpridos os prazos.

A este respeito, Manuel Ferreira explicou que as condutas serão construídas até um máximo de 1,5 metros de profundidade, com um diâmetro de 15 centímetros, e que a obra decorrerá por troços, de forma a reduzir o seu impacto na circulação rodoviária.

A fase de construção das condutas, cujo traçado se desenvolve ao longo da Rua das Fontainhas, Estrada dos Guilhermes, Avenida 1.º de Maio, Rua da Restauração, Rua Eng.º André Navarro, Rua Marquês de Pombal, Rua 25 de Abril, Rua Luís de Camões, Rua Manuel Pereira Rodão e Rua do Casal da Formiga, deverá arrancar em dezembro de 2025 e prolongar-se por 16 meses. A Rega Energy prevê produzir a primeira molécula de hidrogénio verde na Marinha Grande em janeiro de 2027.