Começo por referir que escrevo este artigo, como outros que o antecederam, devido ao facto de pretender contribuir para que os vindouros tenham uma mata pelo menos tão prestigiada como a que conhecemos, desejavelmente ainda mais apreciada e valiosa


Devo acrescentar que as críticas que tenho feito aos trabalhos que decorrem no Pinhal do Rei não visam atingir ou menorizar colegas, antes pelo contrário pretendo transmitir informação e divulgar aquilo que aprendi com muitas pessoas ao longo dos 35 anos em que trabalhei, ou acompanhei de perto a gestão da Mata Nacional de Leiria (MNL), quer como responsável e dirigente, quer como técnico.

Nos trabalhos que decorrem e cujas orientações estão plasmadas no Plano de Gestão Florestal (PGF) da MNL aprovado em junho de 2022, com cujo conteúdo informei não concordar em pontos essenciais, creio que se estão cometendo erros significativos e graves que irão afetar o futuro da mais importante mata de pinheiro bravo de que o País dispõe, que passo a identificar:

1. INEXISTÊNCIA DE FAIXAS DE GESTÃO DE COMBUSTÍVEL JUNTO AOS ACEIROS

No litoral onde se localiza a MNL os fogos empurrados pelo vento progridem predominantemente de norte para sul, ou em sentido contrário como sucedeu nos grandes incêndios de 1824 (5000 ha), de 2003 (2500 ha) e em 2017 com a enormidade de 9500 ha percorridos pelo fogo, que neste caso ultrapassou os 20 aceiros da MNL instalados no sentido nascente/poente, com 10 m de largura, como se não existissem, tendo em 2003 já ultrapassado 7 desses aceiros.

Para que algo similar se não repita é fundamental que todos os aceiros que têm estradas, caminhos de terra batida ou acesso fácil a viaturas de combate a incêndios, que são quase todos, disponham de faixas adjacentes limpas de matos com pelo menos 100 m de largura.

Com esta medida os fogos que não seja possível apagar dentro dos talhões serão mais facilmente extintos junto aos aceiros por combate direto, ou por recurso ao contrafogo que é essencial para conter os grandes incêndios.

Essas faixas deverão ter arvoredo com densidades reduzidas nas idades mais jovens de modo a evitar o fogo de copas, mas poderão manter a densidade do corte final de 250 a 300 pinheiros/ha, de modo a não afetar a produção principal do talhão que é a madeira de qualidade.

2. REDUÇÃO DE ÁREA OCUPADA COM PINHEIRO BRAVO EM 2019 HA

De acordo com o PGF a área ocupada com pinheiro bravo será reduzida de 10437 ha para 8418 ha, uma redução de 2019 ha, o que é uma barbaridade numa mata em que o pinheiro bravo é a sua espécie florestal multisecular de referência, passando-se a desperdiçar anualmente 14 mil m3 da melhor madeira que o País produz e que passaremos a importar porque somos ricos.

Aqueles 2 mil ha de pinhal serão substituídos por plantações (utópicas) de: resinosas e folhosas (857 ha), pinheiro manso (315 ha), folhosas diversas (266 ha), sobreiros, medronheiros e pinheiro manso (236 ha), sobreiros e pinheiros (128 ha), pinheiros, zimbros e samouqueiros (102 ha), carvalhos e pinheiros (90 ha), desperdiçando-se assim 56 talhões da MNL, uma área que desde D. Dinis sempre produziu madeira (tabela 18 do PGF).

A justificação é que “entende-se agora que o Estado, mais do que assumir-se como produtor de material lenhoso, deve promover a instalação de ecossistemas florestais resilientes e multifuncionais, numa ótica de silvicultura próxima da natureza” (pág. 95 do PGF).

Recordo que sobreiros, outros carvalhos, medronheiros, samouqueiros, zimbros e outras espécies que surgem na MNL de modo espontâneo e que contribuem para a biodiversidade local nunca são cortadas aquando da limpeza dos matos, não se percebendo agora o porquê da introdução massiva destas espécies.

3. REDUÇÃO DA ÁREA COM FUNÇÃO DE PRODUÇÃO EM 3805 HA

Mas a área da MNL destinada à produção de madeira cairá ainda mais, na verdade baixará para somente 4977 ha, uma diminuição de 3805 ha onde não mais se aplicarão os tratamentos, as intervenções culturais e as técnicas de condução de povoamentos de pinheiro bravo que guindaram a MNL a um patamar de excelência, conhecida nacional e internacionalmente.

O Eng.º Acácio Amaral, estudioso e profundo conhecedor da MNL onde trabalhou mais de 40 anos, consignou no Ordenamento que elaborou em 1980 um total de 8782 ha destinados à produção de madeira, espaços esses que tiveram essa função desde os nossos primeiros reis, situação agora alterada radicalmente, descendo essa área para 4977 ha, uma quebra de 44%, o que considero uma decisão irracional e inconcebível a aplicar na MNL que a vai desvirtuar por completo (tabela 17 do PGF);

A justificação (romântica) é que o PGF ora aprovado pretende ser “um novo documento, uma vez que incorpora uma nova visão de gestão do espaço florestal, assente numa silvicultura mais próxima da natureza e mais resiliente, flexível e multifuncional” (pág. 86 do PGF).

4. AUMENTO DA ÁREA COM FUNÇÃO DE PROTEÇÃO EM 4117 HA

Por outro lado, a área destinada à proteção subirá 4117 ha, pois passará dos 1887 ha conforme Ordenamento de 1980 para 5997 ha, um aumento de 317% (tabela 17 do PGF).

Trata-se de um verdadeiro retrocesso relativamente a todos os Ordenamentos aprovados e executados anteriormente - o primeiro data de 1882 - quase parecendo haver agora a ideia de se criar um PARQUE NATURAL DO LITORAL CENTRO.

Diz o PGF que com esta decisão se pretende que os objetivos traduzam “uma clara alteração na visão tradicional para a gestão desta mata pois privilegiam a função de proteção e a prestação de serviços de ecossistemas ao invés da produção” (pág 95 do PGF). Descobriu-se a pólvora!

Com esta decisão perder-se-á aquilo que foi ao longo dos séculos a principal função da MNL - a produção de madeira – sem, cumulativamente, deixar de contribuir para o aumento da biodiversidade, da conservação da natureza, da multifuncionalidade e da preservação dos recursos naturais que estão associados aos espaços florestais, de resto como é apanágio destes.

Concordaria com algumas das decisões expressas no PGF da MNL se aplicadas em matas do litoral cujas areias foram arborizadas há somente 150 anos atrás, com solos pobres, pouco evoluídos e biodiversidade muito reduzida, como é o caso das matas que se localizam no litoral dos concelhos de Figueira da Foz até Espinho, mas são um disparate e uma afronta aplicá-las na MNL.

Recordo que o Ordenamento de 1980 definia e bem que a área de proteção correspondia às dunas arborizadas na segunda metade do século XIX, tratando-se de uma faixa com 1887 ha que se estende da Praia da Vieira até ao Canto do Ribeiro, tendo por limite nascente a duna onde se localiza o Ponto de Vigia da Crastinha, o antigo areeiro e que termina na Ponte Nova, e poente o mar, destinando-se a restante área com pinhal desde o tempo dos nossos primeiros reis, solos mais evoluídos, vegetação e vida selvagem mais ricas, à produção de madeira de qualidade.

Por este andar teremos muito em breve em vez do PINHAL DO REI um PARQUE NATURAL DO REI, coisa que creio os Marinhenses não apreciarão.

A atual tutela do Ministério do Ambiente sobre a MNL não pode justificar tamanha mudança na sua gestão, daquela que foi a melhor e a mais importante propriedade do Estado na produção de madeira de pinheiro bravo e de outros recursos associados, onde ao longo de todo o século XX se cortaram, por ano e em média, 155 mil pinheiros com 43 mil m3.

5. INEXISTÊNCIA NA MARINHA GRANDE DE UM SERVIÇO RESPONSÁVEL PELA GESTÃO DA MNL

Na Marinha Grande, onde se localiza a MNL, continua a não haver um serviço responsável pela gestão da principal mata do Estado que tenha autonomia, capacidade de decisão, orçamento, pessoal técnico e outro devidamente dimensionado face à tarefa a prosseguir, que diariamente esteja em contacto com a MNL, de modo a que se possam tomar as decisões mais adequadas e esclarecidas em cada momento.

Enquanto esta situação não for ultrapassada continuarão as dificuldades e os erros inerentes a uma gestão e a uma administração da MNL feitas à distância, sem observação e conhecimento dos reais problemas e dificuldades que interessa diagnosticar e resolver, para nosso desconforto e desalento.

Exemplo paradigmático é o facto de desde há 6 anos não haver desbastes nos povoamentos adultos que sobreviveram ao grande incêndio, estando alguns deles sobrelotados e em grande competição entre si, isto numa mata que foi referência nacional no tratamento e condução de povoamentos de pinheiro bravo.

A partir de 2001 a gestão da MNL passou a ser responsabilidade de serviços sedeados em Coimbra, Viseu e Lisboa e assim se chegou à situação atual.

Octávio Ferreira

Engenheiro Silvicultor